segunda-feira, 13 de outubro de 2008

ANIVERSÁRIO DE MORTE DE MANUEL BANDEIRA

ANIVERSÁRIO DE MORTE DE MANUEL BANDEIRA- 40 ANOS
Morte:13/10/1968
"...o sol tão claro lá fora,o sol tão claro, Esmeralda,e em minhalma — anoitecendo."
Manuel Carneiro de Souza Bandeira Filho nasceu no Recife no dia 19 de abril de 1886, na Rua da Ventura, atual Joaquim Nabuco, filho de Manuel Carneiro de Souza Bandeira e Francelina Ribeiro de Souza Bandeira. Em 1890 a família se transfere para o Rio de Janeiro e a seguir para Santos - SP e, novamente, para o Rio de Janeiro. Passa dois verões em Petrópolis.
Em 1892 a família volta para Pernambuco. Manuel Bandeira freqüenta o colégio das irmãs Barros Barreto, na Rua da Soledade, e, como semi-interno, o de Virgínio Marques Carneiro Leão, na Rua da Matriz.
A família mais uma vez se muda do Recife para o Rio de Janeiro, em 1896, onde reside na Travessa Piauí, na Rua Senador Furtado e depois em Laranjeiras. Bandeira cursa o Externato do Ginásio Nacional (atual Colégio Pedro II). Tem como professores Silva Ramos, Carlos França, José Veríssimo e João Ribeiro. Entre seus colegas estão Sousa da Silveira e Antenor Nascentes.
Em 1903 a família se muda para São Paulo onde Bandeira se matricula na Escola Politécnica, pretendendo tornar-se arquiteto. Estuda também, à noite, desenho e pintura com o arquiteto Domenico Rossi no Liceu de Artes e Ofícios. Começa ainda a trabalhar nos escritórios da Estrada de Ferro Sorocabana, da qual seu pai era funcionário.
No final do ano de 1904, o autor fica sabendo que está tuberculoso, abandona suas atividades e volta para o Rio de Janeiro. Em busca de melhores climas para sua saúde, passa temporadas em diversas cidades: Campanha, Teresópolis, Maranguape, Uruquê, Quixeramobim.
"... - O senhor tem uma escavação no pulmão esquerdo e o pulmão direito infiltrado.- Então, doutor, não é possível tentar o pneumotórax?- Não. A única coisa a fazer é tocar um tango argentino."
Em 1910 entra em um concurso de poesia da Academia Brasileira de Letras, que não confere o prêmio. Lê Charles de Guérin e toma conhecimento das rimas toantes que empregaria em Carnaval.
Sob a influência de Apollinaire, Charles Cros e Mac-Fionna Leod, escreve seus primeiros versos livres,em 1912.
A fim de se tratar no Sanatório de Clavadel, na Suíça, embarca em junho de 1913 para a Europa. No mesmo navio viajam Mme. Blank e suas duas filhas. No sanatório conhece Paul Eugène Grindel, que mais tarde adotaria o pseudônimo de Paul Éluard, e Gala, que se casaria com Éluard e depois com Salvador Dali.
Em virtude da eclosão da Primeira Guerra Mundial, em 1914, volta ao Brasil em outubro. Lê Goethe, Lenau e Heine (no sanatório reaprendera o alemão que havia estudado no ginásio). No Rio de Janeiro, reside na rua Nossa Senhora de Copacabana e na Rua Goulart.
Em 1916 falece sua mãe, Francelina. No ano seguinte publica seu primeiro livro: A cinza das horas, numa edição de 200 exemplares custeada pelo autor. João Ribeiro escreve um artigo elogioso sobre o livro. Por causa de um hiato num verso do poeta mineiro Mário Mendes Campos, Manuel Bandeira desenvolve com o crítico Machado Sobrinho uma polêmica nas páginas do Correio de Minas, de Juiz de Fora.
O autor perde a irmã, Maria Cândida de Souza Bandeira, que desde o início da doença do irmão, havia sido uma dedicada enfermeira, em 1918. No ano seguinte publica seu segundo livro, Carnaval, em edição custeada pelo autor. João Ribeiro elogia também este livro que desperta entusiasmo entre os paulistas iniciadores do modernismo.
O pai de Bandeira, Manuel Carneiro, falece em 1920. O poeta se muda da Rua do Triunfo, em Paula Matos, para a Rua Curvelo, 53 (hoje Dias de Barros), tornando-se vizinho de Ribeiro Couto. Numa reunião na casa de Ronald de Carvalho, em Copacabana, no ano de 1921, conhece Mário de Andrade. Estavam presentes, entre outros, Oswald de Andrade, Sérgio Buarque de Holanda e Osvaldo Orico.
Inicia então, em 1922, a se corresponder com Mário de Andrade. Bandeira não participa da Semana de Arte Moderna, realizada em fevereiro em são Paulo, no Teatro Municipal. Na ocasião, porém, Ronald de Carvalho lê o poema "Os Sapos", de "Carnaval". Meses depois Bandeira vai a São Paulo e conhece Paulo Prado, Couto de Barros, Tácito de Almeida, Menotti del Picchia, Luís Aranha, Rubens Borba de Morais, Yan de Almeida Prado. No Rio de Janeiro, passa a conviver com Jaime Ovalle, Rodrigo Melo Franco de Andrade, Prudente de Morais, neto, Dante Milano. Colabora em Klaxon. Ainda nesse ano morre seu irmão, Antônio Ribeiro de Souza Bandeira.
Em 1924 publica, às suas expensas, Poesias, que reúne A Cinza das Horas, Carnaval e um novo livro, O Ritmo Dissoluto. Colabora no "Mês Modernista", série de trabalhos de modernistas publicado pelo jornal A Noite, em 1925. Escreve crítica musical para a revista A Idéia Ilustrada. Escreve também sobre música para Ariel, de São Paulo.
A serviço de uma empresa jornalística, em 1926 viaja para Pouso Alto, Minas Gerais, onde na casa de Ribeiro Couto conhece Carlos Drummond de Andrade. Viaja a Salvador, Recife, Paraíba (atual João Pessoa), Fortaleza, São Luís e Belém. No ano seguinte continua viajando: vai a Belo Horizonte, passando pelas cidades históricas de Minas Gerais, e a São Paulo. Viaja a Recife, como fiscal de bancas examinadoras de preparatórios. Inicia uma colaboração semanal de crônicas no Diário Nacional, de São Paulo, e em A Província, de Recife, dirigido por Gilberto Freyre. Colabora na Revista de Antropofagia.
1930 marca a publicação de Libertinagem, em edição como sempre custeada pelo autor. Muda-se, em 1933, da Rua do Curvelo para a Rua Morais e Vale, na Lapa. É nomeado, no ano de 1935, pelo Ministro Gustavo Capanema, inspetor de ensino secundário.
Grandes comemorações marcam os cinqüenta anos do poeta, em 1936, entre as quais a publicação de Homenagem a Manuel Bandeira, livro com poemas, estudos críticos e comentários, de autoria dos principais escritores brasileiros. Publica Estrela da Manhã (com papel presenteado por Luís Camilo de Oliveira Neto e contribuição de subscritores) e Crônicas da Província do Brasil.
Recebe o prêmio da Sociedade Filipe de Oliveira por conjunto de obra, em 1937, e publica Poesias Escolhidas e Antologia dos Poetas Brasileiros da Fase Romântica.
No ano seguinte é nomeado professor de literatura do Colégio Pedro II e membro do Conselho Consultivo do Departamento do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. Publica Antologia dos Poetas Brasileiros da Fase Parnasiana e Guia de Ouro Preto.
Em 1940 é eleito para a Academia Brasileira de Letras, na vaga de Luís Guimarães Filho. Toma posse em 30 de novembro, sendo saudado por Ribeiro Couto. Publica Poesias Completas, com a inclusão da Lira dos Cinqüent'Anos (também esta edição foi custeada pelo autor). Publica ainda Noções de História das Literaturas e, em separata da Revista do Brasil, A Autoria das Cartas Chilenas.
Começa a fazer crítica de artes plásticas em A Manhã, em 1941, no Rio de Janeiro. No ano seguinte é nomeado membro da Sociedade Filipe de Oliveira. Muda-se para o Edifício Maximus, na Praia do Flamengo. Organiza a edição dos Sonetos Completos e Poemas Escolhidos de Antero de Quental.
Nomeado professor de literatura hispano-americana da Faculdade Nacional de Filosofia, em 1943, deixa o Colégio Pedro II. Muda-se, em 1944, para o Edifício São Miguel, na Avenida Beira-Mar, apartamento 409. Publica Obras Poéticas de Gonçalves Dias, edição crítica e comentada. No ano seguinte publica Poemas Traduzidos, com ilustrações de Guignard.
Recebe o prêmio de poesia do IBEC por conjunto de obra, em 1946. Publica Apresentação da Poesia Brasileira e Antologia dos Poetas Brasileiros Bissextos Contemporâneos.
Em 1948 são reeditados três de seus livros: Poesias Completas, com acréscimo de Belo Belo; Poesias Escolhidas e Poemas Traduzidos. Publica Mafuá do Malungo (impresso em Barcelona por João Cabral de Melo Neto) e organiza uma edição crítica das Rimas de João Albano. No ano seguinte publica Literatura Hispano-Americana e traduz O Auto Sacramental do Divino Narciso de Sóror Juana Inés de la Cruz.
A pedido de amigos, apenas para compor a chapa, candidata-se a deputado pelo Partido Socialista Brasileiro, em 1950, sabendo que não tem quaisquer chances de eleger-se. No ano seguinte publica Opus 10 e a biografia de Gonçalves Dias. É operado de cálculos no ureter. Muda-se, em 1953, para o apartamento 806 do mesmo edifício da Avenida Beira-Mar.
No ano de 1954 publica Itinerário de Pasárgada e De Poetas e de Poesia. Faz conferência no Teatro Municipal do Rio de Janeiro sobre Mário de Andrade. Publica 50 Poemas Escolhidos pelo Autor, em 1955. Traduz Maria Stuart, de Schiler, encenado no Rio de Janeiro e em São Paulo. Em junho, inicia colaboração como cronista no Jornal do Brasil, do Rio de Janeiro, e na Folha da Manhã, de São Paulo. Faz conferência sobre Francisco Mignone no Teatro Municipal do Rio de Janeiro.
Traduz Macbeth, de Shakespeare, e La Machine Infernale, de Jean Cocteau, em 1956. É aposentado compulsoriamente, por motivos da idade, como professor de literatura hispano-americana da Faculdade Nacional de Filosofia.
Traduz as peças Juno and the Paycock, de Sean O'Casey, e The Rainmaker, de N. Richard Nash, em 1957. Nesse ano, publica Flauta de Papel. Em julho visita para a Europa, visitando Londres, Paris, e algumas cidades da Holanda. Retorna ao Brasil em novembro. Escreve, até 1961, crônicas bissemanais para o Jornal do Brasil e a Folha de São Paulo.
Em 1958, publica Gonçalves Dias, na coleção "Nossos Clássicos" da Editora Agir. Traduz a peça Colóquio-Sinfonieta, de Jean Tardieu. Publicada pela Aguilar, sai em dois volumes sua obra completa -- Poesia e Prosa.
No ano seguinte traduz The Matchmaker (A Casamenteira), de Thorton Wilder. A Sociedade dos Cem Bibliófilos publica Pasárgada, volume de poemas escolhidos, com ilustrações de Aldemir Martins.
Em 1960 traduz o drama D. Juan Tenório, de Zorrilla. Pela Editora Dinamene, da Bahia, saem em edição artesanal Estrela da Tarde e uma seleção de poemas de amor intitulada Alumbramentos. Sai na França, pela Pierre Seghers, Poèmes, antologia de poemas de Manuel Bandeira em tradução de Luís Aníbal Falcão, F. H. Blank-Simon e do próprio autor.
No ano seguinte traduz Mireille, de Fréderic Mistral. Começa a escrever crônicas semanais para o programa "Quadrante" da Rádio Ministério da Educação. Em 1962 traduz o poema Prometeu e Epimeteu de Carl Spitteler.
Escreve para a Editora El Ateneo, em 1963, biografias de Gonçalves Dias, Álvares de Azevedo, Casimiro de Abreu, Junqueira Freire e Castro Alves. A Editora das Américas edita Poesia e Vida de Gonçalves Dias. Traduz a peça Der Kaukasische Kreide Kreis, de Bertold Brecht. Escreve crônicas para o programa "Vozes da Cidade" da Rádio Roquette-Pinto, algumas das quais lidas por ele próprio, com o título "Grandes Poetas do Brasil".
Traduz as peças O Advogado do Diabo, de Morris West, e Pena Ela Ser o Que É, de John Ford. Sai nos EUA, pela Charles Frank Publications, A Brief History of Brazilian Literature (tradução, introdução e notas de R. E. Dimmick), em 1964.
No ano de 1965 traduz as peças Os Verdes Campos do Eden, de Antonio Gala. A Fogueira Feliz, de J. N.Descalzo, e Edith Stein na Câmara de Gás de Frei Gabriel Cacho. Sai na França, pela Pierre Seghers, na coleção "Poètes d'Aujourd'hui", o volume Manuel Bandeira, com estudo, seleção de textos, tradução e bibliografia por Michel Simon.
Comemora 80 anos, em 1966, recebendo muitas homenagens. A Editora José Olympio realiza em sua sede uma festa de que participam mais de mil pessoas e lança os volumes Estrela da Vida Inteira (poesias completas e traduções de poesia) e Andorinha Andorinha (seleção de textos em prosa, organizada por Carlos Drummond de Andrade). Compra uma casa em Teresópolis, a única de sua propriedade ao longo de toda sua vida.
Com problemas de saúde, Manuel Bandeira deixa seu apartamento da Avenida Beira-Mar e se transfere para o apartamento da Rua Aires Saldanha, em Copacabana, de Maria de Lourdes Heitor de Souza, sua companheira dos últimos anos.
No dia 13 de outubro de 1968, às 12 horas e 50 minutos, morre o poeta Manuel Bandeira, no Hospital Samaritano, em Botafogo, sendo sepultado no Mausoléu da Academia Brasileira de Letras, no Cemitério São João Batista.
Bibliografia:
Poesia:
- A Cinza das Horas - Jornal do Comércio - Rio de Janeiro, 1917 (Edição do Autor)- Carnaval - Rio de janeiro,1919 (Edição do Autor)- Poesias (acrescida de O Ritmo Dissoluto) - Rio de Janeiro, 1924- Libertinagem - Rio de Janeiro, 1930 (Edição do Autor)- Estrela da Manhã - Rio de Janeiro, 1936 (Edição do Autor)- Poesias Escolhidas - Rio de Janeiro, 1937- Poesias Completas acrescida de Lira dos cinqüent'anos) - Rio de Janeiro, 1940 (Edição do Autor)- Poemas Traduzidos - Rio de Janeiro, 1945- Mafuá do Malungo - Barcelona, 1948 (Editor João Cabral de Melo Neto)- Poesias Completas (com Belo Belo) - Rio de Janeiro, 1948- Opus 10 - Niterói - 1952- 50 Poemas Escolhidos pelo Autor - Rio de Janeiro, 1955- Poesias completas (acrescidas de Opus 10) - Rio de Janeiro, 1955- Poesia e prosa completa (acrescida de Estrela da Tarde), Rio de Janeiro, 1958- Alumbramentos - Rio de Janeiro, 1960- Estrela da Tarde - Rio de Janeiro, 1960- Estrela a vida inteira, Rio de Janeiro, 1966 (edição em homenagem aos 80 anos do poeta).- Manuel Bandeira - 50 poemas escolhidos pelo autor - Rio de Janeiro, 2006.
Prosa:
- Crônicas da Província do Brasil - Rio de Janeiro, 1936- Guia de Ouro Preto, Rio de Janeiro, 1938- Noções de História das Literaturas - Rio de Janeiro, 1940- Autoria das Cartas Chilenas - Rio de Janeiro, 1940- Apresentação da Poesia Brasileira - Rio de Janeiro, 1946- Literatura Hispano-Americana - Rio de Janeiro, 1949- Gonçalves Dias, Biografia - Rio de Janeiro, 1952- Itinerário de Pasárgada - Jornal de Letras, Rio de Janeiro, 1954- De Poetas e de Poesia - Rio de Janeiro, 1954- A Flauta de Papel - Rio de Janeiro, 1957- Itinerário de Pasárgada - Livraria São José - Rio de Janeiro, 1957- Prosa - Rio de Janeiro, 1958- Andorinha, Andorinha - José Olympio - Rio de Janeiro, 1966- Itinerário de Pasárgada - Editora do Autor - Rio de Janeiro, 1966 - Colóquio Unilateralmente Sentimental - Editora Record - RJ, 1968- Seleta de Prosa - Nova Fronteira - RJ- Berimbau e Outros Poemas - Nova Fronteira - RJ
Antologias:
- Antologia dos Poetas Brasileiros da Fase Romântica, N. Fronteira, RJ- Antologia dos Poetas Brasileiros da Fase Parnasiana - N. Fronteira, RJ- Antologia dos Poetas Brasileiros da Fase Moderna - Vol. 1, N. Fronteira, RJ- Antologia dos Poetas Brasileiros da Fase Moderna - Vol. 2, N. Fronteira, RJ- Antologia dos Poetas Brasileiros Bissextos Contemporâneos, N. Fronteira, RJ- Antologia dos Poetas Brasileiros - Poesia Simbolista, N. Fronteira, RJ- Antologia Poética - Editora do Autor, Rio de Janeiro, 1961- Poesia do Brasil - Editora do Autor, Rio de Janeiro, 1963- Os Reis Vagabundos e mais 50 crônicas - Editora do Autor, RJ, 1966- Manuel Bandeira - Poesia Completa e Prosa, Ed. Nova Aguilar, RJ- Antologia Poética (nova edição), Editora N. Fronteira, 2001
Em conjunto:- Quadrante 1 - Editora do Autor - Rio de Janeiro, 1962 (com Carlos Drummond de Andrade, Cecília Meireles, Dinah Silveira de Queiroz, Fernando Sabino, Paulo Mendes Campos e Rubem Braga)- Quadrante 2 - Editora do Autor - Rio de Janeiro, 1963 (com Carlos Drummond de Andrade, Cecília Meireles, Dinah Silveira de Queiroz, Fernando Sabino, Paulo Mendes Campos e Rubem Braga)- Quatro Vozes - Editora Record - Rio de Janeiro, 1998 (com Carlos Drummond de Andrade, Rachel de Queiroz e Cecília Meireles)- Elenco de Cronistas Modernos - Ed. José Olympio - RJ (com Carlos Drummond de Andrade, Rubem Braga- O Melhor da Poesia Brasileira 1 - Ed. José Olympio - Rio de Janeiro (com Carlos Drummond de Andrade e João Cabral de Melo Neto)- Os Melhores Poemas de Manuel Bandeira (seleção de Francisco de A. Barbosa) - Editora Global - Rio de Janeiro)
Seleção e Organização:
- Sonetos Completos e Poemas Escolhidos de Antero de Quental- Obras Poéticas de Gonçalves Dias, 1944- Rimas de José Albano, 1948- Cartas a Manuel Bandeira, de Mário de Andrade, 1958
Multimídia:
- CD "Manuel Bandeira: O Poeta de Botafogo" - Gravações inéditas feitas pelo poeta e por Lauro Moreira, tendo como fundo musical peças de Camargo Guarnieri interpretadas pelo pianista Belkiss Carneiro Mendonça, 2005.
Sobre o Autor:
- Homenagem a Manuel Bandeira, 1936- Homenagem a Manuel Bandeira (edição fac-similar), 1986- Bandeira a Vida Inteira - Edições Alumbramento, Rio de Janeiro, 1986 (com um disco contendo poemas lidos pelo autor).
Dados obtidos em livros de Manuel Bandeira, e nas publicações "Homenagem a Manuel Bandeira" e "Bandeira a Vida Inteira", na Academia Brasileira de Letras e sites da Internet.

A CIDADE-COLAGEM, O DESLOCAMENTO DA LINGUAGEM, DOS MOVIMENTOS DO CORPO E A ESTRUTURA DO SENTIMENTO NO CONTO CONTEMPORÂNEO DE SÉRGIO SANT’ANNA

  1. A CIDADE-COLAGEM, O DESLOCAMENTO DA LINGUAGEM, DOS MOVIMENTOS DO CORPO E A ESTRUTURA DO SENTIMENTO NO CONTO CONTEMPORÂNEO DE SÉRGIO SANT’ANNA

    Prof. Dr. Deneval Siqueira de Azevedo Filho
    UFES

    Resumo: O objetivo deste trabalho é analisar, sob a ótica de alguns pressupostas pós-modernos, a performance da cidade-colagem e o deslocamento da relação entre realidade e representação, sujeito e (a)história que se percebe em boa parte da narrativa brasileira contemporânea. Para tal, escolhi como corpus os contos “Conto (não conto)”, “Estudo para um conto” e “Um discurso sobre o método”, de Sérgio Sant’Anna. Quero mostrar sobretudo como se dá nesta literatura o deslocamento forte do desejo, da linguagem, dos movimentos do corpo e das utopias, quase sempre, a partir de um sujeito cindido, em crise, diante de uma realidade que se tornou hostil.

    Palavras-chave: Pós-modernidade, Crise da representação, Sujeito cindido, Cidade-colagem, Contos contemporâneos

    O que aparece num nível como o último modismo, promoção publicitária e espetáculo vazio é parte de uma lenta transformação cultural emergente nas sociedades ocidentais, uma mudança de sensibilidade para a qual o termo “pós-moderno” é na verdade, ao menos por agora, totalmente adequado. A natureza e a profundidade dessa transformação são discutíveis, mas transformação ela é. Não quero ser entendido erroneamente como se afirmasse haver uma mudança global de paradigma nas ordens cultural, social e econômica; qualquer alegação dessa natureza seria um exagero. Mas, um importante setor da nossa cultura, há uma notável mutação na sensibilidade, nas práticas e nas formações discursivas que distingue um conjunto pós-moderno de pressupostos, experiências e proposições de um período precedente. (Huyssens, 1984)

    Parecem fúteis os esforços dos anos 60 (movimentos estudantis e de neovanguarda, contracultura, gay lib, pós-stonewall, movimentos feministas, etc.) para desenvolver modelos de planejamento em larga escala, abrangentes e integrados (muitos deles especificados com todo o rigor que a criação de modelos matemáticos computadorizados podia então permitir) para regiões metropolitanas. A vida da urbe contemporânea procura, hoje, estratégias pluralistas e orgânicas para a abordagem do desenvolvimento urbano como uma colagem de espaços e misturas altamente diferenciados, senão híbridos, em vez de perseguir planos grandiosos baseados no zoneamento funcional de atividades diferentes. A “cidade-colagem” é agora o tema, e a “revitalização urbana” substituiu a vivificada “renovação urbana” como a palavra-chave do léxico dos planejadores. Esta observação feita, tendo como corpus a arquitetura, nos conduz, certamente, a uma pergunta extremamente relevante em relação à condição pós-moderna: Quando se sobrepõem os paradoxos pós-modernos? A resposta, pelo exemplo, pode parecer, às vezes, muito clara. Quando a autonomia estética e a auto-reflexividade modernistas enfrentam uma força contrária na forma de uma fundamentação no mundo histórico, social e político.
    Não obstante, podem-se documentar mudanças desse tipo em toda uma gama de campos distintos. A narrativa pós-moderna, o cinema, a partir de Blade-runner, a arquitetura, a sociologia, os estudos culturais, o multiculturalismo, o pós-estruturalismo, alega McHale (1987) caracterizam-se, por exemplo, e, neste caso, mais particularmente a literatura, pela passagem de um dominante “epistemológico” a um “ontológico”. Com isso, ele quer nos dizer que há uma passagem do tipo de perspectivismo que permitia ao modernista uma melhor apreensão do sentido de uma realidade complexa, mas mesmo assim singular à ênfase em questões sobre como realidades radicalmente diferentes podem coexistir, colidir esse interpenetrar. É que no pós-moderno, praticamente, não há aquela dialética de forte oposição, ou seja, uma auto-reflexão que se mantém distinta daquilo que tradicionalmente se aceita como seu oposto – o contexto histórico-político no qual se encaixa.
    Há, sim, uma recusa em resolver as contradições e conseqüentemente uma contestação daquilo que Lyotard (1984 a) chama de narrativas-mestras totalizantes de nossa cultura, aqueles sistemas por cujo intermédio costuma-se unificar e organizar (atenuando) quaisquer contradições a fim de coaduná-las. Em conseqüência, a fronteira entre ficção e ficção científica sofreu uma real dissolução, enquanto as personagens pós-modernas com freqüência parecem confusas acerca do mundo em que estão e de como deveriam agir com relação a ele. A própria redução do problema da perspectiva à autobiografia, testumunhos, memórias, diários parece ser o cerne desta questão: segundo uma personagem de Borges, o sujeito entra num labirinto: “Quem era eu? O eu de hoje estupefato; o de ontem esquecido; o de amanhã, imprevisível? A interrogação diz-nos tudo. A narrativa “Conto (não conto)”, de Sérgio Sant’Anna, vai apontar essa marca de crise do sujeito pós-moderno nas representações, ao nos mostrar um conto “pseudo-absurdo” em suas entranhas, porém emprenhado desses questionamentos todos.
    Terry Eagleton (1996), crítico marxista, teórico da literatura e professor da Universidade de Oxford, ao questionar a pós-modernidade, mostra-nos como a desconfiança na ideologia das narrativas totalizantes e a descrença em projetos idealizadores de transformações universais estão presentes, sobretudo, no pós-modernismo que, segundo ele, é a manifestação cultural referente à pós-modernidade. Para ele, uma obra pós-moderna é “arbitrária, eclética, híbrida, descentralizada, fluida e descontínua, lembrando o pastiche.” (Eagleton, op. cit.: 21-35) Ainda acrescenta que “fiel aos princípios da pós-modernidade, rejeita a profundidade metafísica em favor de uma espécie de superficialidade forjada, jocosidade e falta de afeto, é uma arte de prazeres, superfícies e intensidades fugazes.” (Idem) Para concluir refere-se à pós-modernidade como a responsável pela desconfiança de todas as verdades e certezas estabelecidas e, por isso, a obra pós-moderna é irônica em sua forma, e sua epistemologia relativista e cética.
    Na realidade, o fracasso dos projetos tidos como universais denunciou o perigo das grandes ilusões modernas, já que elas não valorizavam a diferença – tão aclamada na pós-modernidade, mais pontualmente após o pensamento derridiano – e tendenciavam ao totalitarismo. Por tal motivo, a pluralidade cultural vem à tona, as diferenças têm que conviver abrandando e amenizando as adversidades, quando o centro fixo é questionado. A própria definição de contar uma história, de articular a trama, de escolha dos tipos/personagens é desconstruída todo o tempo em “Conto (não conto)”. Não se aceita mais a idéia de redenção das margens, da periferia ao centro, mas propõe-se um diálogo entre ambos: hibridismo plural. Na esfera do conhecimento, passa-se a pensá-lo com parte essencial dos contextos culturais, hoje, altamente mutável, diversificado, híbrido e mestiço. Tal como a linguagem, matéria prima da narrativa de Sant’Anna. A literatura, para Sérgio Sant’Anna, é intrigante cosa mentale, essencialmente neste conto em questão. Ele é dessa linhagem de criadores que são tanto mais inventivos quanto mais saturados de informações é o universo que tratam. E não estou aqui falando de metaliteratura. Isso já é uma bobagem, em se tratando que o texto literário brasileiro contemporâneo se coloca como indicador ( e estou me referindo de toda a ficção dos anos 60, 70, 80, 90 e...) das crises e conflitos de sujeitos sociais cindidos, recém-saídos de um regime totalitarista, fragmentados, sem raízes (flutuantes, pois!), à deriva, muitas vezes anêmicos e expostos à violência, seja esta da linguagem que lhe impõe uma outra postura diante do mundo, pela perfomance, seja da violência de uma vida cotidiana burocrática e impessoal, que parece ir muito além de qualquer entendimento ou controle humanos. Estão aí as narrativas cyborgianas, como exemplo. O homem-robô, a prótese do celular, dentadura da moda, agem alheios, distanciados dos problemas da urbe, apesar de nela habitarem. O homem, o sujeito que a carrega, pode ser visto em Sérgio como o homem, a carroça e suas meditações/simulações sobre o cavalo. Ele carrega, mas sem se dar conta da dependência ontológica de seus brinquedinhos-próteses. Distanciado do mundo urbano, portanto, que não reconhecem como seu, mas como algo separado, estranho e hostil, o sujeito de que tratamos vive um mal-estar na metrópole moderna e contemporânea. É recorrente a reação ao mundo urbano com violência (vide a literatura de Rubem Fonseca – uma estética da violência, performance dessa vida), ruptura de raízes, alienação, impessoalidade, empobrecimento da experiência e dos vínculos culturais, afetivos, daí derivando a imagem da metrópole enquanto cidade-colagem, como um mundo desencantado. Sant’Anna nos apresenta, por conseguinte, uma narrativa que se impõe enquanto saída para esta saturação de efeitos (de que trata Eagleton). Em “Estudo para um conto”, a saturação do universo do “Acadêmico Dancing”, das luzes e da recorrência da vírgula de “neón” que perpassa toda a narrativa , a ambiência cultural feita de “Haverás” é muito inventiva, como inventivos são os universos de Philip Glass, Bob Wilson, João Gilberto, Gerald Thomas, John Cage, só para citar alguns que usam da saturação de informações para criar uma performance.
    Se o projeto modernista propunha racionalmente uma ruptura com o passado e idealizava profundas alterações para o seu presente – as utopias – e visava ao alcance de verdades universalizantes, em contrapartida, o pós-moderno lança a desconfiança sobre essas verdades, gerando, conseqüentemente, o ceticismo e a ironia. Aquela racionalidade dos modernos cede espaço para a ausência de ordem estabelecida, o que resulta, ainda, em arbitrariedade, descentralização e descontinuidade. Logo, se o pós-modernismo reflete, de certo modo, a maneira pós-moderna de ver o mundo, temos uma produção artística de desconfiança dessas verdades, desconfiança esta que acaba por evidenciar o ceticismo e a ironia apresentados por Eagleton. É exatamente por este caminho que Sant’Anna nos rasga a fantasia e põe em cena sua literatura de homens, cobras, cavalos, uma espécie de natureza morta que quer vida. Quem lha dará?
    Em seu romance Senhorita Simpson (1993), por exemplo, essa miniaturização da representação e da realidade literária como um processo histórico de performance estética corta o fôlego. Num curso noturno de Inglês em Copacabana, freqüentado por executivos do Banco Central, investidores, sujeitos do pregão, futebolistas com um pé sonhador num clube do exterior, a cândida família Jones do livro didático salta para fora das páginas, confundindo-se com as atribulações e existência dos alunos (nas obras de Sérgio Sant’Anna, as criaturas – de papel ou não – estão sempre mudando de lado). À frente, rege uma bostoniana senhorita Simpson, a professora de inglês, que parece saída de um romance de Henry James ou Edith Wharton. É a quebra completa dos padrões de “rigidez e estratificação social”. A emblemática senhorita Simpson é consumida amplamente no interior daquela fábula anglo-americana-carioca. Neste romance, pode-se argumentar que há um estranhamento/estranheza (como também há nos contos em questão), criado pela divisão social do trabalho, pelo sistema produtor de mercadoria e pelo próprio fetiche da mercadoria, que continua uma referência crítica atual, agora que se tem um sistema global mundializado de produção, circulação e consumo de mercadorias, de coisas conversando com outras coisas, num máximo de expansão e abstração do próprio capitalismo. Esta condição pós-moderna que se pode perceber, com alguma atenção, justamente na vida cotidiana, pelas enganações, simulações e simulacros, relacionando os sinais que aí circulam, tantos e tão variados, que podem sugerir o caos, a confusão, um grau avançado de ilegibilidade [“Conto (não conto)”]. O que é, mas, ao mesmo tempo, não é correto. Ambiguamente, trata-se de avançar dessa opacidade, desse apenas aparente caos, construindo uma literatura que passa pelas aparências, pelas superfícies da vida social cotidiana, relacionando os sinais da cidade e a forma literária em outro nível de elaboração. No segundo conto, “Estudo para um conto”, “haverá uma mulher deitada”; “Haverá também um plano inferior nesse quadro, nessa mulher”, mulher-quadro, mulher-cena. “Ela ri, gosta de ser objeto desse tipo de desejo e antes simulava orgasmos.” Seguindo Freud (1996), um outro sentido de estranhamento/estranheza que, conforme o contexto, pode significar alienação, distanciamento, alheamento, e mesmo desrealização faz da personagem do conto um sujeito sempre e desde logo social, embora também sempre dividido e com impulsos agressivos, ligada a uma experiência urbana muito complexa e contraditória.
    Trata-se da maneira muito marcada, de personagem cindida (observe-se a cicatriz), com tons variados de estranhamento, em relação a si mesma e à sociedade urbana em que está, por onde circula autofagicamente à sua sombra e semelhança, alheia a seu próprio mundo cotidiano. Com gradações, é certo, indo da negação extrema (corpo invisível), que confina com a psicose, com a ruptura dos vínculos com a realidade (“... a mulher permanece assim, com sua cicatriz, suas ligas nas coxas brancas recebendo as cores do luminoso, desarmada.”) passando por graus diversos de neurose. Afastados de si mesmos e do mundo, tantas vezes não suportando as pressões e frustrações a que são submetidos, são sujeitos urbanos de papel, afastados e desligados de si mesmos, mas que dizem a que vêm.
    Isso posto, vê-se na literatura de Sérgio Sant’Anna um cotidiano configurado, ao mesmo tempo prático e simbólico, real e imaginário, próximo e distante, que mistura elementos de longa duração histórica (“Acadêmico, Dancing” – tradição!) e da contemporaneidade (“passos, passos, passos”) que tem tessitura e que, sobretudo, não pode ser direta, pois que simulada, nem transparente, visível totalmente, posto que “Haverá...” em suas articulações estéticas mais elaboradas.
    Por outro lado, voltando à condição pós-moderna, há, neste conto, uma verdadeira estrutura do sentimento pós-moderno, apesar de considerar perigoso descrever relações complexas como polarizações simples. Porém, na medida em que a narrativa não se legitima pela referência ao passado, ela enfatiza o profundo caos da vida contemporânea e a impossibilidade de lidar com ele, com o pensamento racional da forma como enfatizou Nietzsche.
    Em “Um discurso sobre o método”, a personagem é posta no centro pelo aglomerado de pessoas que julgam estar diante de um suicida no 18º. andar de um edifício, uma situação espetacular, muito bem-vinda a uma sociedade do espetáculo, aquela que adora tragédias, show, barraco, prisão, o que caracteriza, de certa forma, o que Márcia Denser chama de “apagamento da fronteira entre a alta cultura e a cultura de massa”. Quando a personagem anônima vai fumar uma baguinha de cigarro aproxima-se da beira da marquise e aí começa a se questionar, deixando o narrador, via discurso indireto livre, pastichar várias teorias, lançando sobre ele questionamentos múltiplos: “Que mundo é este?”, “O que se deve fazer nele”, “Qual dos meus eus deve fazê-lo?”. Indagações que se tornam ainda mais pungentes pelo fato de que o protagonista é um sujeito pós-moderno, carente de identidades fixas. Inumanamente, ao ser questionada pela boca do narrador, vai se transformando num “tipo” marcado por opostos, pela falta de dinheiro, projetando-se em mendigos, passivamente. Até que o corpo de bombeiros e a polícia são chamados e ele é conduzido a um manicômio, onde começa a sonhar em dar voz ao seu duplo: “uma personagem confusa e distraída que vagueia por esse mundo em seus pensamentos sem um claro sentido de localização – em que mundo estou e qual das minhas personalidades exibo?”. Frustra, assim, a platéia ansiosa pelo pulo: “Pula, pula!”.
    Ora, ao elencar tantas teorias e não encerrar em nenhuma a questão do protagonista, a narrativa ganha um “ar de descrença, ceticismo e desconfiança”. Unidos ao desejo de desconstrução, a literatura pós-moderna de Sérgio Sant’Anna é ímpar e incomparável, mais ainda, de várias funções, sobretudo pela forma com que simula, propõe, sugere e desconstrói o que ela mesma (re)cria.
    Para concluir, a atomização do social em redes flexíveis de jogos de linguagem em Sérgio Sant’Anna pode recorrer a um conjunto bem distinto de códigos, dependendo da situação simulada: sob essa condição, a linguagem ainda deve ser vista como uma cidade antiga: um labirinto de ruelas e pracinhas, de velhas e novas casas, e de casas com acréscimos de diferentes períodos; e tudo isso cercado por uma multiplicidade que nos dá a estrutura do sentimento. O que já foi versão da vida premiada moderna dinamitou-se, tornou-se inviável, como inviável tornaram-se as utopias. Estão dinamitadas.
    Contudo, ainda “Haverá música, vinda do Acadêmico Dancing. A Orquestra é boa!” Destacam-se os instrumentos de sopro. Polimorfos. Afinal, no conto em questão, não há retorno nostálgico. O passado, suas formas estéticas e suas formações sociais são problematizados pela simulação crítica. Esse irônico repensar pós-moderno sobre a não-identidade ou duplas identidades, sobre o não-lugar, sobre o não-real, em “Um discurso sobre o método”, é deliberadamente contraditório. Por isso, todos os textos lidam com a necessidade que temos de nos livrar das ilusões das explicações e dos sistemas totalizantes da ética. O que temos, então? Nada mais que a linguagem interna do contador de histórias, do simulador de vôos, presença do passado ou antecipação de um futuro. Completamente avesso à chamada literatura de fundação, à narrativa crédula do esquema nacional-popular, Sérgio Sant’Anna segue por aqui: “conhecedor de todas as trucagens da criação e do texto lierário” (Azevedo Filho, 2003), pastichador finíssimo, ele é desses criadores que se movem naquele espaço mínimo, naquela equação artística invisível, capaz de, como escritor de suspeição, avançar apontando as máscaras que há nos rostos. Faz da literatura uma alta literatura.


    Referências
    AZEVEDO FILHO, Deneval Siqueira de. “O mundo desencantado da condição pós-moderna”. In: Multiteorias. Vitória: PPGL/MEL, 2003.
    EAGLETON, T. As ilusões do pós-modernismo. Rio de Janeiro: Zahar Ed., 1996
    FREUD, S. Letters. New York: New York Press, 1996.
    HUYSSENS, A. “Mapping the post-modern”. New German Critique. , n. 35, p. 5-32, 1984.
    LYOTARD, J. The postmodern Condition. London. [s. Ed.], 1984.
    McHALE, B. Postmodernist Fiction. London: [s. Ed.], 1987.
    SANT’ANNA, Sérgio. Senhorita Simpson & Contos. São Paulo: Companhia das Letras, 2003.

"Homossexualidade e outros pecados", por Rubem Alves

Coluna - Folha de São Paulo - 30-09-2008
Rubem Alves
Homossexualidade e outros pecados

Cristãos Fundamentalistas são os que acreditam que as sagradas escrituras foram ditadas diretamente por Deus e que, por isso, tudo o que nelas está escrito é sagrado, verdadeiro e deve ser obrigatoriamente obedecido para sempre. A verdade divina está fora do tempo. Aquilo que Deus comandava há 3.000 anos é válido para hoje e para todos os tempos futuros.
Digo isso a propósito de uma carta dirigida a Laura Schlessinger, conhecida locutora de rádio nos Estados Unido que tem um desses programas interativos que dá respostas e conselho aos ouvintes que a chamam ao telefone. Recentemente perguntada sobre a homossexualidade, a locutora disse que se trata de uma abominação, pois assim a Bíblia o afirma no livro de Levítico 18:22. Um ouvinte escreveu-lhe então uma carta que vou transcrever:
"Querida doutora Laura, muito obrigado por se esforçar tanto pra educar as pessoas segundo a lei de Deus (...) Mas, de qualquer forma, necessito de alguns conselhos adicionais a respeito de outras leis bíblicas e sobre a forma de cumpri-las: gostaria de vender minha filha como serva, tal como o indica o livro de Êxodo, 21:7. Nos tempos em que vivemos, na sua opinião, qual seria o preço adequado?
O livro de Levítico 25:44 estabelece que posso possuir escravos, tanto homens quanto mulheres, desde que não sejam adquiridos de países vizinhos. Um amigo meu afirma que isso só se aplica aos mexicanos, mas não aos canadenses. Será que a senhora poderia esclarecer esse ponto? Por que não posso possuir canadenses?
Sei que não estou autorizado a ter qualquer contato com mulher alguma no seu período de impureza menstrual (Levítico 18:19, 20:18 etc) O problema que se me coloca é o seguinte: como posso saber se as mulheres estão menstruadas ou não? Tenho tentado perguntar-lhes mas muitas mulheres são tímidas e outras se sentem ofendidas.
Tenho um vizinho que insiste em trabalhar no sábado. O livro de Êxodus 35:2 claramente estabelece que quem trabalha aos sábados deve receber a pena de morte. Isso quer dizer que sou obrigado a matá-lo? Será que a senhora poderia, de alguma maneira, aliviar-me dessa obrigação aborrecida?
No livro de Levítico 21: 18-21 está estabelecido que uma pessoa não pode se aproximar do altar de Deus se tiver algum defeito na vista. Preciso confessar que eu preciso de óculos para ver. Minha acuidade visual tem de ser 100% para que eu me aproxime do altar de Deus?
Eu sei, graças a Levítico 11:6-8, que quem toca a pele de um porco morto fica impuro. Acontece que adoro jogar futebol americano, cujas bolas são feitas de pele de porco. Será que me será permitido continuar a jogar futebol americano se usar luvas?
Meu tio tem um sítio. Deixa de cumprir o que diz Levítico 19:19, pois que planta dois tipos diferentes de semente ao mesmo campo, e também deixa de cumprir a sua mulher, que usa roupas de dois tecidos diferentes - a saber, algodão e poliéster. Será que é necessário levar a cabo o complicado procedimento de reunir as pessoas da vila para apedrejá-las? Não poderíamos queimá-las numa reunião privada?
Sei que a senhora estudou esses assuntos com grande profundidade de forma que confio plenamente na sua ajuda. Obrigado de novo por recordar-nos que a palavra de Deus é eterna e imutável".