segunda-feira, 24 de março de 2008

ARTE DO HOMEM SUJO NUM PAÍS FEDIDO

Poema Sujo - um fragmento; Justiça suja – arte do homem sujo num país fedido
“ E são coisas vivas as palavras
e vibram da alegria do corpo que as gritou
têm mesmo o seu perfume, o gosto da carne
que nunca se entrega realmente
nem na cama
senão a si mesma
à sua própria vertigem
ou assim falando ou rindo
no ambiente familiar
enquanto como um rato
tu podes ouvir e ver
de teu buraco
como essas vozes batem nas paredes do pátio vazio
na armação de ferro onde seca uma parreira
entre arames
de tarde
numa pequena cidade latino-americana.” (Ferreira Gullar)

Poeta pouco lido, pouco estudado nas universidades brasileiras, cronista da Folha de São Paulo, ensaísta maior, crítico da literatura, enfim, um VIVO pensante neste país devassado pela sujeira arteira do sujeito politiqueiro, pobre de espírito e rico em escatologias diversas... Todos soltamos puns, eu sei! Mas daí a gulosos peidantes, isso sim, sanguessugas, sujos, há uma enorme diferença! Não é à toa que estão lançando a música inédita dos Mamonas, 10 anos depois de sua morte, cujo título é, apesar de grosseiro, tão próprio ao momento de identidade política nacional: “Não Peide Aqui, Baby”, uma versão chula de Twist and Shout, gravado há 50 anos pelos Beatles. O título é um pedido sufocado de todos que não agüentam mais tanto fedor, tanta sujeira!
No seu artigo da Folha de São Paulo, de Domingo, dia 06/08, Ferreira Gullar disse que “como cidadão, tenho necessidade de entender de que modo a justiça é feita, mesmo porque ela é o fundamento da sociedade. Quando a Justiça falha, o convívio social fica ameaçado pela arbitrariedade.” Estava se referindo ao modo pelo qual um advogado de defesa pode se sustentar, por deformação profissional, busca de notoriedade ou entendimento equivocado de seu papel, com honrosas exceções, atuando na prática como inimigo da Justiça.
Neste país macunaímico, a punição não pode ser entendida como vingança contra o transgressor e, sim, como a necessidade de fazer valer as normas do convívio social, já que, sem elas, voltaríamos à barbárie. A reforma do sistema penitenciário é uma necessidade que todos reconhecem, mas, seja por que razão for, tem sido sempre adiada ou empreendida sem a urgência que se impõe. O aumento da criminalidade tem levado muitos setores da opinião pública a reclamar da frouxidão de nossa legislação penal e do procedimento dos juízes.
Absurdo mesmo foi a decisão do Supremo Tribunal Federal que estendeu o benefício de progressão da pena a condenados por crimes hediondos. Como conseqüência dessa decisão, criminosos de indiscutível periculosidade, reincidentes, muitos deles, na prática de crimes graves que vão do homicídio à chefia do tráfico de drogas, serão em breve postos em liberdade, já que alguns deles completaram um sexto da pena. Conforme o noticiário dos jornais, esses criminosos já acionaram seus advogados para obter o benefício. Quem sabe, em breve, estarão de volta às ruas Fernandinho Beira-mar e Marcola, parafraseio Ferreira Gullar. Tudo isso gera na consciência do cidadão a descrença na Justiça e, em muitos, a certeza de que, em nosso país, o crime compensa. Ouvi, dia desses, de um sujeito esclarecido, estudado e pensante, que tinha vontade de assaltar um banco. Seu plano veio inteiro como vem uma poesia. Eu perguntei: “E daí?” – curioso e ansioso pela resposta. Não demorou muito para me dizer que precisaria de mais três perfeccionistas para que o plano desse certo. Sorrimos.
Na formidável tragédia de Sófocles, Rei Édipo, a par da simbologia psicanalítica identificada por Freud, há uma outra: a da irrenunciável necessidade de que a justiça seja feita. Tebas só se livrará da peste quando o responsável pela morte de Laios for identificado e punido. Sófocles nos ensina que, quando a Justiça falta, a comunidade humana adoece. O Brasil está doente, todo doente, tripas carcomidas, cocô escorrendo pelas pernas do povo contaminado pela diarréia bacteriana crônica dada de presente pelos governantes. Temos que rezar pra Omulu e dar sangue/carne pra Exu. Só assim, sobreviveremos.

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