segunda-feira, 24 de março de 2008

Os bandidos na mesa do café

Depois de uma hora de caminhada tranqüila, algum tempo sem vir a Campos dos Goytacazes, deixo a orla em direção a minha casa no Caju, onde minhas cadelas, a sharpei Queen de la Ricarlos e a poodle Sirica Himalaia, aguardavam-me para um passeio pelo quarteirão. Saímos.
Olho para uma edificação baixa de tijolos vermelhos, com uma placa: Rua Teixeira de Melo. Rua em que nasci de parto normal em casa. Nesses momentos de contemplação, saí um pouco do ar, somente voltando ao ouvir o latido da sharpei. Invade-me uma vontade de mudar de vida, fazer como o narrador do romance "O Enigma da Chegada", de V.S. Naipaul, que se retira para o interior e passa apenas a observar e escrever o que está a sua frente. Sábado, auge da crise de violência em todo o país, comentários sobre a pena dada à Susane e aos irmãos Cravinhos, Lula presidente do Mercosul, Bombardeio e terrorismo no Oriente Médio, brasileiros presos no Líbano. Meus pais me aguardando para o café da manhã. Ao café da manhã, comentários sobre os também condenados, porém a 22 anos de cadeia, assassinos do meu irmão José Renato, ou melhor, sentença dada aos dois que ficaram para pagá-la, pois um já houvera se suicidado na prisão. Ficamos comentando sem muito compreender a vida que nos delega momentos tão plenos de angústia. Comentou-se sobre a situação no país, sobre crimes, tantos crimes, contas fantasmas, entidades fantasmas, ambulâncias superfaturadas, desvios de verbas no hospital do câncer. A própria luz do Planalto, arquitetura que atravessa as vidraças e banha os flocos de poeira que flutuam, metonímia/sinédoque deste nosso país que nos torna também fantasmas, dirige o meu olhar para a mancha de iogurte na mesa do café, duvidando se aquilo não é um ectoplasma desses putos homofóbicos enrustidos que pintam o cabelo e beliscam a bunda das secretárias.
Marcola, o líder do PCC, já leu mais livros do que todos eles juntos. Os da minha geração, que tiveram uma base político-militar - não no sentido de terem feito ações armadas, mas por terem curiosidade em relação às leis da guerra -, esses praticamente já saíram de cena. Ou ganharam lugar no Poder. Fiquei surpreso ao ler que um grande nome do Partido Verde alemão, surgido nos anos 60, deixou o governo, está quase aposentado. Lembrei de tantos outros que se voltaram para suas especialidades acadêmicas, dos que morreram, dos que simplesmente deram uma banana para a idéia de transformar o mundo. De uma certa maneira, foram poupados dessa humilhação que sinto todos os dias ao ver que os bandidos estão triunfando na vida pública, que não só tomaram conta de tudo, mas também tomam café ao riem para você, falam sobre o tempo e reclamam da dureza da vida política. É uma ilusão pensar que o mundo do crime ignora essas variáveis.
O mundo que está ruindo aos meus pés é muito desconcertante, pois leva consigo toda uma forma de pensar a política que nos reduz ao ridículo de quando traz, para dentro de nossos lares, a guerra urbana de São Paulo, a revolta nos presídios do Espírito Santo, a vergonhosa situação do nosso parlamento. Sou interrompido pelo carinho de uma das cadelas. Consigo sorrir, apesar da consciência de que o mundo está ruindo e nos impõe a humilhação de chamar de Congresso brasileiro um lugar onde os dirigentes da mesa estão mergulhados num escândalo e nem sequer pedem licença para ser investigados, um lugar onde o corregedor, num ano eleitoral, foi o primeiro a ser multado pela Justiça por fazer propaganda fora de tempo. Numa semana tão importante, talvez não devesse enfatizar minhas frustrações. Acontece que não estou sendo humilhado sozinho, nem o está a pequena parcela de deputados honestos, sem falar nos brasileiros trabalhadores.
Enquanto não se desvendar o elo entre as quadrilhas que queimam ônibus, metralham policiais, fuzilam inocentes e os bandidos que nos cercam, poucos vão sentir a humilhação que sinto. E quando falo de vínculo não me refiro a advogados, emissários ou mesmo um ou outro deputado que possa estar ligado ao crime organizado. Refiro-me ao plano simbólico tão bem expresso na célebre frase carioca: Tá dominado, tá tudo dominado. O tudo dominado revela-se não apenas em números, mas também em encenações falsas, pequenas omissões, um rígido controle da agenda para que venha à tona o debate dos verdadeiros problemas do país. Os que já foram que nos apontem o lugar correto no front do combate!
Deneval Siqueira de Azevedo Filho

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