terça-feira, 18 de novembro de 2008

Arte Contemporânea e Performance


Há muito travo uma luta interessante e incessante para que as pessoas, principalmente meus alunos de teoria da literatura, comecem a entender que ao mundo contemporâneo não é muito bem-vindo aquele conceito aristotélico de “representação”, contido na mímesis, como tentativa de apreensão do real. Ela não se dá por inteiro, ou se dá de forma hiper, configurando, sempre, muito mais uma performance do real. Portanto, prefiro a palavra performance para ser usada como tal. Tendo dito isto inúmeras vezes e explicado por quê, um discípulo me traz um vídeo com uma performance da Marília Orth na Bienal Internacional de Arte de São Paulo, sobre a qual já aqui escrevi anteriormente.
O vídeo traz a atriz e comediante Marisa Orth protagonizando uma "conferência dramatizada" na noite de quarta-feira (12), dentro programação da Bienal de Arte de São Paulo. Ao lado do artista espanhol Javier Peñafiel, ela leu trechos da "Agenda do Fim dos Tempos Drásticos", obra criada por Peñafiel após uma residência artística de mais de dois meses na cidade. Na "Agenda...", um libreto distribuído aos visitantes da Bienal, Peñafiel (que diz ter-se inspirado na capacidade de os paulistanos enfrentarem o caos da cidade) propõe cinco novos "tipos" de dias pelos quais as pessoas deveriam organizar seu tempo: comuns, próprios, impróprios, similares e plurais, cada um com suas características. Porém, ao contrário da sisudez que normalmente se relaciona à arte conceitual, o que pude perceber no auditório foi uma performance bastante descontraída. Com sua interpretação de texto dramatizada (ou "desdramatizada", dependendo do momento) e fazendo o artista "elaborar" conceitos como "narcisismo suave que faz com que os tempos sejam líquidos", Marisa Orth arrancou diversos risos da platéia.
Procurei me inteirar mais sobre este assunto e encontrei uma entrevista da atriz: "Eu acho que esse tipo de coisa deveria acontecer mais", disse a atriz ao UOL sobre sua performance, enquanto encorajava seu filho João Antônio a experimentar o tobogã do artista belga Carsten Höller (sem sucesso). "Com a minha primeira banda, o Luni, nos anos 80, a gente misturava muita coisa de performance, música, artes plásticas. Hoje voltou a ser tudo muito estanque, ou você faz teatro, ou você faz música, ou você faz arte." A atriz foi apresentada para Javier Peñafiel por um amigo em comum, o artista plástico Pazé, que protagoniza a versão em vídeo da "Agenda..." em exibição no terceiro pavilhão da Bienal.
A crítica está dividida, mas o artista espanhol aprovou o resultado da performance, mesmo que os conceitos bastante abstratos ("cadeia de descontinuidades", "réplicas da multiplicidade") tenham intimidado a platéia na hora das perguntas - em vários momentos, quem teve que "quebrar o gelo" foi a curadora da Bienal Ana Paula Cohen, que também é responsável pela dublagem em castelhano do vídeo de "Agenda...". "Trabalhar com a Marisa é ótimo", afirmou Peñafiel. "Essa generosidade do humor dela deixa a performance muito mais próxima, minha idéia é fazer algo bem-humorado, sem perder o foco da proposta."
Pelo que pude apurar sobre a relação texto/experimentação/performance, a dupla ensaiou durante dois meses para a performance, em um dos lofts do edifício Lutétia, mantido pela Fundação Armando Álvares Penteado (FAAP) para abrigar residências artísticas. Ambos vestiam uniformes de estudantes e sentaram-se na arquibancada, mantendo a bancada da "conferência" vazia. "Eu demorei um tempo para entender a proposta", diz Marisa Orth, "mas acabei sacando a veia poética que brinca de ser científica, que é o grande barato do Peñafiel". E é ou não o grande barato da pós-modernidade? Afinal a contemporaneidade está aí se fazendo de grande palco dos diferentes, dos (des)comprometidos, das adversidades e de várias outras ODES, descontínuas ou não! A arte abre a boca ao mundo de Pantagruel! E quando vemos, estamos diante do gigante Gargântua – a própria arte em sua total e inimitável performance.

2 comentários:

Renata Bomfim disse...

Oi DEne, adorei teu texto, me fez refletir... a mariza é muito engraçada, a performance deve ter sido otima... realmente a arte é essa porta dentada escancarada convidando...
beijos
saudades
Renata

Renata Bomfim disse...

Olá Dene, passo para deixar meu abraço e votos de um feliz ano novo... que em 2009 os desejos do teu coração se realizem...
beijos
renata